quinta-feira, 30 de maio de 2013

PARADA DE ÔNIBUS – A CONSULTA (parte II)



- Oi. Você é engenheiro?
- Oi. – respondeu assustado o jovem pela abordagem inesperada da estranha. – Serei um dia se Deus quiser. Estou estudando engenharia.
- Imaginei pela farda que você usa para ir trabalhar.
- Hum. – esboçando um sorriso de simpatia.
- Onde fica a empresa que você trabalha?
- Em São Gonçalo do Amarante. – respondeu automaticamente ainda pensando no porque do interesse.
- Nossa é muito longe. Ainda bem que a empresa disponibiliza um ônibus para vocês né?!
- É. Se não fosse isso teria que pegar 3 ônibus para chegar lá.
- Pesado essa rotina.
- É.
- Eu já trabalhei numa empresa de engenharia também. Para falar a verdade foi meu último emprego antes desse que estou agora.
- Legal. Você fazia o que lá?
- Era da faxina, mas acabei achando melhor ir para essa creche que trabalho. É mais parto de casa.
- Hum. – disse o rapaz virando o rosto achando que a conversa tinha acabado.
- O sonho do meu filho era ser engenheiro. – voltou a comentar a senhora como se a conversa não tivesse morrido.
- Ele vai fazer vestibular para engenharia.
- Não. Ele já se formou em administração e acabou de passar num concurso. – disse cheia de orgulho.
- Nossa, parabéns pra ele.
- Pois é. O mais novo também fez um concurso a pouco tempo. To torcendo muito para ele passar. – respirou cheia de orgulho.
- Que bom. Espero que dê tudo certo.
- Também espero. Sabe que já era para eu me aposentar desdo ano passado né?! To tão cansada, esse trabalho é muito estressante. Sem contar a minha saúde. Eu tenho um problema sério de audição sabe, praticamente não escuto do lado direito.
- Nossa! – disse o rapaz arregalando os olhos demonstrando espanto.
- E meu outro ouvido funciona só 50%. – disse a senhora ignorando a exclamação do rapaz – Fui ao médico há umas semanas atrás e ele disse que vou ter que fazer uma cirurgia e ainda assim vou ter que usar um aparelho.
- Mesmo com a cirurgia vai ter que usar o aparelho?! – disse demonstrando interesse.
- E esse aparelho é muito caro. – continuou sem nem ligar para o comentário do seu confidente. – mas o doutor falou que tem um jeito de conseguir de graça, é alguma coisa relacionada com um plano do Banco do Brasil.
- Que bom. Espero que consiga. – disse ele já duvidando que a senhora estava escutando qualquer um dos seus comentários.
- Acho difícil conseguir. – respondeu, mas ele ficou sem saber se estava respondendo por causa do seu comentário ou estava apenas completando o raciocínio anterior. – O doutor falou que consigo, mas acho que não.
- Hum. – resolveu não fazer nenhum comentário até ela terminar a história toda.
- Você não sabe como é a dor. As vezes dói tanto, mais tanto que fico com dor de cabaça o dia todo. Ainda mais trabalhando numa creche onde tem criança chorando e gritando para todo lado.
- Verdade.
- E nem sei se vou conseguir fazer essa cirurgia. A diretora do colégio já ficou reclamando por eu ter tirado dois dias de licença por causa da dor de ouvido.
- Mas é um direito seu. Principalmente se você tem como respaldo o atestado médico.
- É que ela fica falando que eu deveria ter visto isso nas minhas férias. O pior é que passei as férias todas fazendo exame. Parece que nem descansei. – disse com amargura da voz por ter perdido as férias em hospitais – Só fico imaginando quando eu for informar que vou ter que fazer a cirurgia e que por isso vou ter q ficar duas semanas de repouso.
- Hum. Complicado. Mas você e nem ela podem fazer nada. É questão de saúde.
- Foi o que o doutor falou. Disse a ele que ia esperar até as próximas férias para fazer a cirurgia, ele foi logo falando que a cirurgia não poderia esperar, que eu poderia perder a audição por completo até lá.- disse ela sem respirar. – ai eu disse: “e o meu trabalho?”, ai ele falou: “exatamente por isso que a cirurgia tem que ser feita logo, como você pretende trabalhar quando perder completamente a audição?” – falou fazendo uma imitação tosca da voz do médico - E vai ser isso que eu vou falar pra ela.
- Ele está certo.
- O doutor é muito legal sabe. Ele esta me apoiando em tudo.
- Hum. Que bom. – Disse o engenheiro já se levantando do banco da parada de ônibus, pois enfim via o seu ônibus chegando mais a frente.
- É. É um homem muito bom. – falou a senhora olhando para o nada com expressão de reflexão, mas esse momento durou apenas alguns segundos, logo depois ela se desembestou a falar novamente – Então, se meus dois filhos forem concursados eu vou me aposentar sabe.
- Sério mesmo?! – exclamou o jovem engenheiro com desespero em ver que seu ônibus parou no semáforo mais a frente.
- Sério. Eu não queria não, mesmo estando cansada assim, mas meus filhos já falaram que querem que eu pare de trabalhar. Que eu deveria ficar em casa para descansar e cuidar da saúde.
- Vá descansar, faz bem pra saúde. – disse olhando o tempo todo para a rua em direção ao ônibus da empresa. Nunca aquele semáforo demorou tanto.
- Eita! Seu ônibus ali né?!
- Pois é. – disse ainda olhando o ônibus parado. – Espero que dê tudo certo. A cirurgia, o concurso do seu filho, a aposentadoria.
- A sim, espero que meu filho mais novo passe no concurso.
- Uhum. – finalmente o ônibus começou a andar.
- E o meu mais velho queria tanto fazer engenharia.
- É – “Graças a Deus ele esta chegando. Como essa mulher fala” pensou.
- Será que ainda dá tempo dele fazer?
- Quem sabe? – disse o jovem pensando: “eu tenho um imã para essas pessoas que gostam de falar sobre toda a sua vida pessoal com estranhos”.
- Acho que ele gostaria. Vou dar a idéia para ele.
- Uhum. – “tudo o que eu queria de manhã era pegar o ônibus em silencio, escutando uma musica e dormir na viagem até o meu trabalho. Só isso”
- Mas ele deve estar cansado, ele estudou muito para passar no concurso.
- É. – “meu Deus por que esse ônibus esta demorando tanto? São nem 200 metros”
- Gostei de você. Vou falar para o meu filho que conheci um engenheiro muito legal.
- Rsrsrsr - riu o garoto aliviado por ter o ônibus parado na sua frente. – Bom vou nessa. Prazer.
- Prazer foi meu. Bom trabalho.
- Valeu. Tchau. – despediu-se já subindo no ônibus.
- Tchau. Até amanhã. Depois te conto o que o meu filho disse.
- Ta. – disse já pedindo para o motorista acelerar.
- Tchau.
“Contar o que o filho disse? Sobre o que? Eu perguntei alguma coisa?” pensou o rapaz ao se sentar.

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