Para mim uma locadora de vídeo é
o ambiente mais aconchegante do mundo, quer dizer, o segundo mais aconchegante,
pois o primeiro é o meu quarto que mantenho como um templo da ociosidade,
criatividade e preguiça. Sinto-me em casa numa locadora, uma casa aberta ao
público que gostam de um mesmo tema – filmes –, uma casa onde podemos conhecer
gente nova, conversar, discutir, aprender, descobrir novos gêneros, atores,
diretores, filmes. Não há nada como discutir sobre cinema e não há lugar mais
propício para executar esse hobbie do que numa locadora de vídeo.
Lembro-me, quando criança, morando
na esquina da R. Farani com a Jornalista Orlando Dantas, sempre que ficava em
casa sem nada para fazer, pegava uns trocados no compartimento secreto onde
juntava algum dinheiro para eventuais emergências – como comprar figurinhas, um
mangá novo ou picolés nos dias muito quentes – e ia para rua a caminho da
locadora, ou melhor, das locadoras, pois na época existia uma locadora de vídeo
em cada esquina, só no quarteirão que morava existiam umas três e eu era sócio
em umas cinco pela vizinhança.
Como não soltar um sorrido ao
lembrar dos dias frios e chuvosos em Piratininga em que ia para a locadora com
meu pai e minhas irmãs. Chegando lá começava a batalha, eu queria assistir
aventura/fantasia, minha irmã mais velha comédia romântica e minha irmã caçula
filmes infantis ou das irmãs Olsen, a disputa era tão intensa que para
satisfazer a todos meu pai sempre levava 3 filmes, as vezes 4 já que ele também
tem o direito de escolher.
Vivi vários momentos memoráveis
numa locadora, como por exemplo, o dia em que fui a locadora mais perto de casa
e depois de uns 35 minutos rodando a locadora o único funcionário que estava
presente veio oferecer auxilio.
- Poderia te ajudar? – disse com
simpatia o jovem funcionário, ele deveria ter uns 18 anos, estava de chinelo,
calça jeans e uma camisa de uma banda de rock, tinha um rosto de nerd com
óculos e a barba por fazer, provavelmente devia ser o filho do dono, ou algum
familiar.
- Não sei se daria para me
ajudar. – eu disse sem tirar os olhos das prateleiras de filme de terror.
- Esta procurando por algum filme
específico?
- Não exatamente. – ainda
concentrado na minha busca.
Ele ficou lá do meu lado
pacientemente, esperando que eu desistisse da minha implacável busca e deixa-se
o orgulho de lado para aceitar a ajuda dele. Eu incomodado com a presença dele
do meu lado resolvi ceder, mesmo tendo a certeza que ele não poderia me ajudar.
Entenda, não estava duvidando da capacidade dele, o problema é que estava
procurando filmes baseados em obras de um escritor específico, Stephen King, e
ele não tinha a obrigação de conhecer esse escritor, até porque na minha cabeça
ele era um escritor super alternativo que ninguém conhecia (pelo menos nenhum
dos meus amigos).
- Então... realmente não sei se
você vai poder me ajudar, porque não estou procurando um filme específico, nem
um ator determinado, nem sei que tipo de filmes são. – ele me olhava calmamente
esperando que eu começasse a falar algo que prestasse – talvez nem tenha esses
filmes aqui. – ainda esperando – Talvez você não conheça porque não sei o nome
dos diretores, nem nada relacionado aos filmes. – alguns segundos de silêncio –
Droga, deveria ter feito uma pesquisa antes de vir pra cá.
- Me diga quais dados você tem.
Deve ter alguma referencia para você procurar.
- Então...tenho lido alguns
livros de um determinado escritor e tenho gostado muito e ontem passou na
televisão um filme baseado na obra dele e fiquei curioso em saber se existem
outros filmes baseados na obra dele, mas talvez você não conheça...
- Você esta procurando filmes
baseados nas obras de Stephen King? – disse o funcionário já procurando na
prateleira alguns filmes.
- É...c-como você sabe? – disse
espantado por ele conhecer esse escritor que para o conhecimento literário de
um garoto de 12 anos ninguém deveria conhecer este autor.
- Eu vi “O Apanhador de Sonhos”
que passou ontem na televisão e também gosto muito das obras dele. – disse já
tirando dois filmes da prateleira e continuando a sua busca – quais livros você
já leu dele?
E a partir daí, passava nessa
locadora pelo menos uma vez por semana para conversar com ele sobre as obras
literárias e as adaptações dos filmes de Stephen King, hoje devo a minha paixão
pelo mestre do terror a esse meu amigo da locadora. Além dessa existem outras
histórias onde conheci novas pessoas – cheguei até a ficar com uma menina mais
velha do que eu, o que na época era uma raridade entre os meninos de 12/13 anos
e um grande motivo para se gabar entre os amigos –, ou conhecia e aprendia um pouco
mais sobre um novo diretor, até mesmo “ganhei” alguns filmes que alugava
praticamente toda a semana (ganhei = comprei a um preço de balela).
Enfim, foram muitas as histórias
que vivi neste ambiente cultural, mas hoje me bate uma tristeza ao ver que onde
existiam 6 locadoras para visitar, agora só existe uma que fica a 25 minutos de
caminhada de casa, e mesmo assim esta que ainda resistiu está vendendo os DVD
repetidos, dando os pôsteres antigos – ganhei vários – e lutando até as últimas
para sobreviver.
Antes as conversas que eram
alegres, descontraídas e completamente culturais, se tornaram uma conversa
triste, nostálgicas e/ou amarga. Amarga quando falamos sobre a pirataria e a
facilidade com que as pessoas baixam filmes na internet, hoje em dia existe um
grande grupo que não vai mais para o cinema, pois assim que o filme é lançado
já existe arquivos para baixá-los na internet, muitas vezes você os encontra
antes mesmo da estréia no Brasil. Mesmo assim a empresa cinematográfica ainda
consegue sobreviver, pois tem gente que ainda não consegue trocar a magnitude e
magia do cinema por um filme assistido no computador de casa, mas e as
locadoras? Quem vai deixar de baixar filme de graça na internet para poder
gastar dinheiro alugando um filme e ainda tendo perigo de pagar multa por
atraso na devolução? Dá para entender perfeitamente o fim das locadoras, mas
não concordo. Não mesmo!
Nunca pensei que aos 23 anos de
idade estaria falando que nem o meu pai e os meus avós sobre o quanto foi
melhor a geração deles, é meio estranho pensar em você como pertencente de uma
geração passada, uma geração que se vestia diferente, falava diferente, gostava
de coisas diferente, mas tenho orgulho de falar que fiz parte da geração
“locadora de vídeo” e falo com pleno saudosismo desta época que não voltará, dá
época que tínhamos que sair a rua para fazer qualquer coisa, o que fazia com
que você conhecesse gente estranha nas ruas, vivenciasse experiências inusitadas
e vivesse mais plenamente. Nada de compras pela internet, nada de combinar
encontros no facebook, nada de conversar no whatsapp, nada de praticar
exercícios físicos por aplicativos no vídeo-game e principalmente nada de
baixar filmes pela internet para ficar esparramado no sofá, com um pote de
pipoca e uma garrafa de refrigerante, curtindo sozinho a beleza da 7ª arte
pirata.
Viva o cinema! Viva a interação
social! Viva a geração “locadora de vídeo”!
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