sexta-feira, 22 de março de 2013

GERAÇÃO "LOCADORA DE VÍDEO"



Para mim uma locadora de vídeo é o ambiente mais aconchegante do mundo, quer dizer, o segundo mais aconchegante, pois o primeiro é o meu quarto que mantenho como um templo da ociosidade, criatividade e preguiça. Sinto-me em casa numa locadora, uma casa aberta ao público que gostam de um mesmo tema – filmes –, uma casa onde podemos conhecer gente nova, conversar, discutir, aprender, descobrir novos gêneros, atores, diretores, filmes. Não há nada como discutir sobre cinema e não há lugar mais propício para executar esse hobbie do que numa locadora de vídeo.
Lembro-me, quando criança, morando na esquina da R. Farani com a Jornalista Orlando Dantas, sempre que ficava em casa sem nada para fazer, pegava uns trocados no compartimento secreto onde juntava algum dinheiro para eventuais emergências – como comprar figurinhas, um mangá novo ou picolés nos dias muito quentes – e ia para rua a caminho da locadora, ou melhor, das locadoras, pois na época existia uma locadora de vídeo em cada esquina, só no quarteirão que morava existiam umas três e eu era sócio em umas cinco pela vizinhança.
Como não soltar um sorrido ao lembrar dos dias frios e chuvosos em Piratininga em que ia para a locadora com meu pai e minhas irmãs. Chegando lá começava a batalha, eu queria assistir aventura/fantasia, minha irmã mais velha comédia romântica e minha irmã caçula filmes infantis ou das irmãs Olsen, a disputa era tão intensa que para satisfazer a todos meu pai sempre levava 3 filmes, as vezes 4 já que ele também tem o direito de escolher.
Vivi vários momentos memoráveis numa locadora, como por exemplo, o dia em que fui a locadora mais perto de casa e depois de uns 35 minutos rodando a locadora o único funcionário que estava presente veio oferecer auxilio.
- Poderia te ajudar? – disse com simpatia o jovem funcionário, ele deveria ter uns 18 anos, estava de chinelo, calça jeans e uma camisa de uma banda de rock, tinha um rosto de nerd com óculos e a barba por fazer, provavelmente devia ser o filho do dono, ou algum familiar.
- Não sei se daria para me ajudar. – eu disse sem tirar os olhos das prateleiras de filme de terror.
- Esta procurando por algum filme específico?
- Não exatamente. – ainda concentrado na minha busca.
Ele ficou lá do meu lado pacientemente, esperando que eu desistisse da minha implacável busca e deixa-se o orgulho de lado para aceitar a ajuda dele. Eu incomodado com a presença dele do meu lado resolvi ceder, mesmo tendo a certeza que ele não poderia me ajudar. Entenda, não estava duvidando da capacidade dele, o problema é que estava procurando filmes baseados em obras de um escritor específico, Stephen King, e ele não tinha a obrigação de conhecer esse escritor, até porque na minha cabeça ele era um escritor super alternativo que ninguém conhecia (pelo menos nenhum dos meus amigos).
- Então... realmente não sei se você vai poder me ajudar, porque não estou procurando um filme específico, nem um ator determinado, nem sei que tipo de filmes são. – ele me olhava calmamente esperando que eu começasse a falar algo que prestasse – talvez nem tenha esses filmes aqui. – ainda esperando – Talvez você não conheça porque não sei o nome dos diretores, nem nada relacionado aos filmes. – alguns segundos de silêncio – Droga, deveria ter feito uma pesquisa antes de vir pra cá.
- Me diga quais dados você tem. Deve ter alguma referencia para você procurar.
- Então...tenho lido alguns livros de um determinado escritor e tenho gostado muito e ontem passou na televisão um filme baseado na obra dele e fiquei curioso em saber se existem outros filmes baseados na obra dele, mas talvez você não conheça...
- Você esta procurando filmes baseados nas obras de Stephen King? – disse o funcionário já procurando na prateleira alguns filmes.
- É...c-como você sabe? – disse espantado por ele conhecer esse escritor que para o conhecimento literário de um garoto de 12 anos ninguém deveria conhecer este autor.
- Eu vi “O Apanhador de Sonhos” que passou ontem na televisão e também gosto muito das obras dele. – disse já tirando dois filmes da prateleira e continuando a sua busca – quais livros você já leu dele?
E a partir daí, passava nessa locadora pelo menos uma vez por semana para conversar com ele sobre as obras literárias e as adaptações dos filmes de Stephen King, hoje devo a minha paixão pelo mestre do terror a esse meu amigo da locadora. Além dessa existem outras histórias onde conheci novas pessoas – cheguei até a ficar com uma menina mais velha do que eu, o que na época era uma raridade entre os meninos de 12/13 anos e um grande motivo para se gabar entre os amigos –, ou conhecia e aprendia um pouco mais sobre um novo diretor, até mesmo “ganhei” alguns filmes que alugava praticamente toda a semana (ganhei = comprei a um preço de balela).
Enfim, foram muitas as histórias que vivi neste ambiente cultural, mas hoje me bate uma tristeza ao ver que onde existiam 6 locadoras para visitar, agora só existe uma que fica a 25 minutos de caminhada de casa, e mesmo assim esta que ainda resistiu está vendendo os DVD repetidos, dando os pôsteres antigos – ganhei vários – e lutando até as últimas para sobreviver.
Antes as conversas que eram alegres, descontraídas e completamente culturais, se tornaram uma conversa triste, nostálgicas e/ou amarga. Amarga quando falamos sobre a pirataria e a facilidade com que as pessoas baixam filmes na internet, hoje em dia existe um grande grupo que não vai mais para o cinema, pois assim que o filme é lançado já existe arquivos para baixá-los na internet, muitas vezes você os encontra antes mesmo da estréia no Brasil. Mesmo assim a empresa cinematográfica ainda consegue sobreviver, pois tem gente que ainda não consegue trocar a magnitude e magia do cinema por um filme assistido no computador de casa, mas e as locadoras? Quem vai deixar de baixar filme de graça na internet para poder gastar dinheiro alugando um filme e ainda tendo perigo de pagar multa por atraso na devolução? Dá para entender perfeitamente o fim das locadoras, mas não concordo. Não mesmo!
Nunca pensei que aos 23 anos de idade estaria falando que nem o meu pai e os meus avós sobre o quanto foi melhor a geração deles, é meio estranho pensar em você como pertencente de uma geração passada, uma geração que se vestia diferente, falava diferente, gostava de coisas diferente, mas tenho orgulho de falar que fiz parte da geração “locadora de vídeo” e falo com pleno saudosismo desta época que não voltará, dá época que tínhamos que sair a rua para fazer qualquer coisa, o que fazia com que você conhecesse gente estranha nas ruas, vivenciasse experiências inusitadas e vivesse mais plenamente. Nada de compras pela internet, nada de combinar encontros no facebook, nada de conversar no whatsapp, nada de praticar exercícios físicos por aplicativos no vídeo-game e principalmente nada de baixar filmes pela internet para ficar esparramado no sofá, com um pote de pipoca e uma garrafa de refrigerante, curtindo sozinho a beleza da 7ª arte pirata.
Viva o cinema! Viva a interação social! Viva a geração “locadora de vídeo”!

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