quarta-feira, 10 de julho de 2013

PARADA DE ÔNIBUS - A CONSULTA (parte III)

- Bom dia. Quanto tempo eu não te vejo por aqui. – disse o jovem que estava chegando na parada de ônibus.
- Bom dia. Pois é, tem uma colega do trabalho que mora aqui por perto e tem me dado carona. – disse a loira senhora sorrindo para o seu colega de parada.
- E hoje ela não vai?
- Não. Ela esta doente.
- Ah tá. Também com esse tempo maluco não tem quem não fique no mínimo gripado.
- Pois não é?! – segue um minuto de silêncio. – Na verdade ela não deve estar doente.
- Como assim? – disse o “amigo” sem entender.
- Ela deve ter fingido essa desculpa para não me dar carona. – disse ela ainda com um sorriso no rosto como se não ligasse.
- Mas porque ela faria isso? Não foi ela que ofereceu a carona?
- Exatamente. – disse demostrando insatisfação. – Não fui eu que pedi. Ela que ofereceu.
- Eu heim. Povo louco.
- Vaca! Isso é o que ela é. Uma vaca! – já não conseguindo conter a raiva.
- É. – concordou assustado o jovem meio incerto se deveria comentar alguma coisa.
- Sabe o que essa vaca fez? – disse virando de frente para o confidente e encarando-o. Em que furada que ele foi se meter.
- Ela fez algo mais além dessa sacanagem?
- Se ela fez algo? Ora se fez. Sabe o que ela fez? – já respondendo antes mesmo dele pensar no que falar – Ela espalhou para o colégio todo que eu era uma chata que fica ligando de madrugada para ela pedindo carona e que além de pedir eu ainda fico cobrando os dias que ela atrasa. – parou para respirar.
- Que mulher sem noção.
- E sabe o que realmente acontece? Primeiro, eu nunca pedi carona para ela, todas a vezes foi ela que ofereceu. – disse enumerando com os dedos. - Segundo, eu não fico ligando para ela de madrugada para lembra-la da carona. Terceiro, os dois dias que liguei pra ela de manhã foi porque ela tinha ficado de me dar carona e eu fiquei esperando por ela mais de meia hora do horário combinado e eu liguei mais para saber se tinha acontecido alguma coisa do que pela carona. E pior, ela não ia para o colégio e nem me ligou para avisar, resultado, cheguei 1 hora e meia atrasada.
- Tem gente que faz cada escolha bizarra para fugir da situação de dizer a verdade. Custava ela chegar a você e falar que não ia dar mais a carona? Sei lá. Poderia dizer que ela vai um pouco mais tarde do horário que você normalmente vai.
- Pois é. Qualquer coisa seria melhor do que espalhar uma mentira e ainda me pintar de chata diante dos outros.
- Desminta esse boato mulher.
- Deixa quieto. Não vai valer a pena o esforço – disse descontente – Sem contar que vai ser a palavra de uma contra a outra, a mentira nunca vai ser realmente desmentida.
- Verdade
- Ahhh, mas como eu fico possessa com essas coisas. – disse bufando. – Eu faço questão agora de nunca mais pegar carona com ela.
- Não acredito que ela ainda tenha cara de pau de oferecer carona depois disso. – disse o garoto descrente.
- Eu não duvido. Bem capaz dela agir como se nada tivesse acontecido. Aquela falsa. – parou um pouco para respirar e então não conseguiu conter. – Mas eu não aceito mais a sua carona. - mais uma pausa -Vaca.
- Mas não deixe isso abalar você não. Deixe ela para lá, não pegue mais carona com ela e se limite apenas a dirigi-la frases cordiais como “oi” e “bom dia”.
- Verdade. As pessoas que me conhecem sabe que eu não faria algo assim.
- Pois é.
- Mas que dá raiva conviver com gente falsa assim isso dá. – disse olhando para a rua para ver se o seu ônibus estava vindo, mas ela leva um susto quando vê um Siena branco vindo no final da rua. – Olha lá. É ela.
- Sério? – disse o jovem curioso procurando o carro.
- Sim. O Siena branco. Aposta quanto que ela vai passar por aqui e fingir que nem me viu?!

Enquanto a senhora disfarçava, o seu colega ficava observando o Siena para ver o que ia acontecer. Quando o carro foi chegando perto da parada ele foi diminuindo a velocidade até parar de frente a parada de ônibus onde os dois estavam. A senhora continuou a fingir que não estava vendo. A mulher que estava dentro do carro buzinou. Vendo que não poderia mais fingir a loira virou para sua falsa amiga e a viu acenando para ela entrar no carro com um sorriso no rosto. A senhora olhou para o seu confidente, olhou para o carro, voltou a olhar seu confidente e no meio da confusão da situação ela se levantou deu um breve “tchau” sem graça para o seu companheiro e entrou no carro esbanjando simpatia.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Resenha - A Bússola de Ouro

Philip Pullman
A Bússola de Ouro
Editora: Objetiva
Rio de Janeiro, 2007 – 365 páginas
Idioma original: Inglês
Tradutor: Eliana Sabino

Entre os amigos sempre escutei falar muito no escritor Philip Pullman e sempre eram comentários positivos, entretanto tinha certo preconceito com esta obra literária A Bússola de Ouro, pois achei o filme muito fraco, todavia quando descobri que essa história foi criada pelo tão bem falado Philip Pullman fiquei curioso em ler o livro e resolvi dar uma chance a história.
O livro fala sobre uma menina superativa, brincalhona e corajosa chamada Lyra. Sem saber ela se envolve numa trama muito maior do que o seu universo infantil e quando percebe já esta numa aventura para descobrir os mistérios do Pó, guerreando em batalhas e junto a isso descobre o seu passado e a importância que ela tem para o futuro do mundo.
Apesar da história se passar no mundo que conhecemos, a realidade destes personagens é bem diferente, pois vivem num mundo cheio de mistérios e magia, cuja alma de cada humano é personificada num dimon, um animal mágico que vive a vida inteira com seu humano, um não vivendo sem o outro. Além dos dimons tem também a presença de feiticeiras, ursos polares de armadura e outras criaturas mágicas que dá o toque fantástico a história.
Ao contrário do filme, no livro a história é mais bem desenvolvida, os dramas são mais reais e a progressão é contínua e bem explicada. Pullman consegue incitar o mistério nas doses corretas, nos deixando sempre na curiosidade e por consequência sempre interessados em ler o desenrolar da história. Apesar dos capítulos serem consideravelmente grandes, Pullman não enrola na história para deixar a emoção no final de cada capitulo, ele vai soltando a cada página uma dica de como vai se desenrolar o mistério, prendendo assim o leitor da primeira palavra a ultima.
Entretanto existe um momento anticlímax no enredo, pois durante quase todo o livro o principal objetivo dos personagens principais era de resgatar as crianças que estavam sendo raptadas e a batalha que eles teriam que enfrentar, mas esta cena tão esperada não acontece no final do livro e sim no decorrer dos 80% da história, ficando a cena do urso e o resgate de Asriel no final do livro, que apesar de ser também algo importante para a continuação da história, não era o ponto alto deste primeiro livro. Acredito que esse resgate estaria melhor empregado no inicio do segundo livro ou que ocorresse antes do resgate das crianças e a batalha em Bolvangar.
Tirando também a narrativa que as vezes se tornava um pouco infantil, principalmente as falas que ao meu ver poderiam ser mais bem desenvolvidas, a obra é muito boa, envolvente e cativante. Fiquei com vontade de ler os outros dois livros da saga para saber o desenrolar da história, pois ficou claro que o livro A Bússola de Ouro é só uma introdução para algo muito maior que estar por vir. Recomendo para todos aqueles que querem desopilar lendo algo leve e divertido.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Poemas

RETA



Lembro-me com nítida perfeição
Que a minha reta nunca foi reta
Tinha pequenas imperfeições
Algumas ondulações
Algumas bifurcações
Até cabelo algumas tinham

Lembro-me do sentimento de frustração
Das linhas tortas no papel
Da repetição insistente
E da falsa ideia de melhora
Dos ângulos se tornando curvas
E das curvas se tornando retas

Lembro-me da satisfação
Depois de tamanho esforço
Depois de tamanha dedicação
Depois de tanto tempo
Finalmente alcancei o objetivo
Minha reta esta finalmente reta

Lembro-me há um tempo atrás
Logo depois da conquista
O orgulho embevecido
A obrigação de refazer a mesma reta
Andar sempre com papel e lápis no bolso
E mostrar para todos o meu sucesso

Lembro-me também da monotonia
Da repetição, da mesmice
Fácil ficou rabiscá-la no papel
Nunca mais curvas, cabelos ou bifurcações
Sim, minha reta era uma reta
E uma reta seria eternamente

Lembro-me de ontem
Das saudades que sinto das curvas
E porque não dizer dos cabelos e bifurcações
A reta é a perfeição que conquistei
Mas uma reta que é sempre reta
Tira todo o sentido da perfeição

Peguei o papel, o lápis e rabisquei
Uma, duas, três...infinitas vezes
Só perfeitas reta desenhei
Então chorei, pois soube neste momento
Que minhas retas nunca mais seriam tortas
E a minha torta vida seria sempre reta

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Cura Gay



Sim. Estão tentando eliminar os homossexuais, controlá-los, catalogá-los, classificá-los, definir esta opção como uma doença que corrompe, não o corpo, mas a alma, a dignidade e a moral, como fizeram com os negros na época da escravidão, os pagão na inquisição e os judeus na Segunda Guerra Mundial. Dizem que estão querendo ajudar, curar essa “doença”, evitar que as pessoas se desviem dos caminhos designados por Deus como o certo, o correto e principalmente, o único.
Defendem a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, a família tradicional e a vida, entretanto, com a máxima compreensão que temos sobre a palavra paradoxo, eles estão reprimindo a liberdade de expressão, o direito de escolha e o direito de se expressar publicamente sem ser taxado como portador de uma grave doença. Mas do que nunca estamos presenciando o verdadeiro significado na frase: “o direito de um termina onde começa o do outro”.
Um fato engraçado (um triste engraçado se isso for possível) é que mesmo todos reconhecendo as atrocidades que foram causadas por Hitler, cujo até os alemãs sentem vergonha desse acontecimento chegando ao ponto de “proibirem” falar sobre esse fato historio lá (o que acho um exagero), hoje mesmo com toda essa compreensão sobre repressão e preconceito, existem pessoas que pregam o mesmo que o carismático Sr. Bigodinho. Só existem duas diferenças: 1º- hoje as pessoas não querem matar, "só" repreender e disseminar o preconceito já a satisfazem; 2º- enquanto antigamente seus motivos eram ditos baseados em fatos científicos, hoje justificam essa afronta aos homossexuais em nome de Deus.
O que classifica essas pessoas ditas seguidores dos caminhos de Deus superiores aos homossexuais? O que é pior, manter numa sociedade um gay que é solidário, justo, digno, honrado ou um homem que vai todos os finais de semana a igreja, diz seguir seus dogmas e todo mês colabora financeiramente para com sua congregação, mas bate na esposa e filhos, rouba, bebe, mente e é adúltero? Digam-me de que forma a opção sexual de uma pessoa pode determinar a sua índole ou seu comportamento perante a sociedade?
Não costumo expor minhas opiniões em público de maneira tão direta como estou fazendo agora, pois o que não falta no mundo atual é gente para gladiarem virtualmente suas opiniões sobre determinando tema. Não que não tenha opinião sobre os temas mais polêmicos que tem assolado o mundo, mas sou mais discreto, exponho minhas opiniões para aqueles realmente interessados em ouvi-la, entretanto li uma matéria ontem que me deixou embasbacado com tamanho absurdo. Claro que poderia escrever uma crônica, criar um poema ou até compor uma musica abordando o assunto como normalmente faço, mas achei tão grotesca a idéia de uma “cura gay” que não ia ter estomago para fazer algo mais lírico do que isso.
Na terça-feira passada (04/06/13) foi reaberta uma assembléia para se discutir pela terceira vez a aprovação da proposta feita pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara para ser autorizado o tratamento psicológico ou a terapia para alterar a orientação sexual dos homossexuais e esse processo esta sendo chamado de “a cura gay”. Custo a acreditar que uma pessoa que se diz religiosa chegasse a tal agressão. Se você não concorda, não acha certo, tudo bem, essa é uma opinião sua e ninguém pode fazer nada sobre isso, e também não vejo problema desde que essa opinião particular não se transforme em ações preconceituosas. Assim como as pessoas de outras religiões respeitam a sua escolha, espero que você respeite a opção sexual dos outros, mesmo sendo contra.
O mais inacreditável dessa história toda é ver que uma pessoa que esta num cargo publico representando os direitos humanos e minorias tenta com tanto afinco descriminar uma parte da população que já sofre com tanto preconceito. Como uma pessoa que tem voz para falar representando milhares outras pode não discernir os preceitos de sua religião com suas obrigações perante a sociedade? Será que ele não sabe que não esta representando apenas os evangélicos e sim uma grande massa da população que tem opiniões religiosas diversas? Será que uma pessoa que não esteja disposta a compreender outros argumentos se não os da própria religião pode estar exercendo um cargo tão representativo?
Chegamos a um extremismo tão grande que quem concorda com a lei é fanático religioso e preconceituoso, enquanto que as pessoas que são contra a aprovação dessa lei são gays. Não se discute mais de maneira civilizada, não se fala, não se escuta, não ouvimos a nós mesmo. Estamos completamente nus e surdos no breu e no desespero cada um protege o que é do seu interesse e ignora o próximo.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Resenha - As Vantagens de Ser Invisível



 Stephen Chbosky

As Vantagens de Der Invisível

Editora: Rocco

Rio de Janeiro, 2007 - 224 páginas

Idioma original: Inglês

Tradutor: Ryta Vinagre
Depois de assistir o filme do mesmo nome, fiquei com um desejo imenso de ler este livro, pois esperava, como segue a regra, que o livro fosse mais profundo e melhor narrado do que o filme, entretanto, mesmo raro, encontrei a exceção a regra.
O livro conta a história de Charlie, um garoto de 15 anos, retraído, extremamente tímido, inteligente, porém muito inocente em relação a vida e ao convívio social. Logo de cara percebe-se que ele teve algum problema psicológico no passado, pois embora calmo, vira e mexe ele comenta sobre o que o incomoda e com medo explodir num surto, começa a chorar.
Ele começa a se socializar melhor com as outras pessoas (fora a sua família) quando conhece Patrick e sua irmã Sam que vêem no novo amigo uma pessoa pura e inocente e acabam o “adotando” e apresentando-o ao seu grupo de amigos. Charlie por sua vez começa a entrar numa nova fase da vida e a sentir novos sentimentos e emoções, muitas vezes não sabendo reagir em certas situações.
É exatamente neste ponto em que o livro se diferencia do filme. Embora no filme essa inocência de Charlie seja bem marcante, ela não passa do limite do irreal como acontece no livro, ou pelo menos disfarça com mais sutileza. Existem situações em que fica difícil acreditar que o protagonista é um garoto de 15 anos com uma inocência maior que o comum para garotos nesta idade, tem horas que ele reage como se fosse um garoto inocente de 11 anos ou um garoto de 15 anos com algum retardo mental.
Outra coisa que me incomodou um pouco foi a estrutura em que o livro foi escrito, como se cada capitulo fosse uma carta que o protagonista estivesse enviando para alguém. Cada vez mais me convenço o quanto é difícil escrever um livro bom neste estilo, este ano já li três nesta estrutura e só o que me agradou foi “Precisamos falar sobre Kevin”. Acho que essa estrutura não deixa a história fluir como deveria e também muitas vezes acontece de o escritor se perder quando escreve um livro inteiro na primeira pessoa, ora escreve com uma linguagem popular, no caso, como se fosse um garoto de 15 anos escrevendo e ora escreve numa linguagem mais rebuscada o que contradiz com a proposta do livro.
Entretanto a essência da história continua sendo muito boa e profunda, abordando vários temas como a homossexualidade, o abuso sexual infantil, os transtornos e traumas que uma pessoa pode desenvolver sobre uma coisa que aconteceu na sua infância, a relação família e o confuso mundo de escolhas e decisões dos adolescentes que estão ingressando na fase adulta. Sem contar as ótimas referencias musicais e literárias que estão presentes no livro do começo ao fim.
Para aqueles que fazem questão de ler o livro, eu recomendo, garanto que não vão desperdiçar o tempo de vocês, mas para aqueles que não fazem tanta questão recomendo que assistam só ao filme (esse é o tipo de filme que a pessoa tem que assistir pelo menos uma vez na vida), pois acho que a mensagem esta melhor elaborada nele.

PARADA DE ÔNIBUS – A CONSULTA (parte II)



- Oi. Você é engenheiro?
- Oi. – respondeu assustado o jovem pela abordagem inesperada da estranha. – Serei um dia se Deus quiser. Estou estudando engenharia.
- Imaginei pela farda que você usa para ir trabalhar.
- Hum. – esboçando um sorriso de simpatia.
- Onde fica a empresa que você trabalha?
- Em São Gonçalo do Amarante. – respondeu automaticamente ainda pensando no porque do interesse.
- Nossa é muito longe. Ainda bem que a empresa disponibiliza um ônibus para vocês né?!
- É. Se não fosse isso teria que pegar 3 ônibus para chegar lá.
- Pesado essa rotina.
- É.
- Eu já trabalhei numa empresa de engenharia também. Para falar a verdade foi meu último emprego antes desse que estou agora.
- Legal. Você fazia o que lá?
- Era da faxina, mas acabei achando melhor ir para essa creche que trabalho. É mais parto de casa.
- Hum. – disse o rapaz virando o rosto achando que a conversa tinha acabado.
- O sonho do meu filho era ser engenheiro. – voltou a comentar a senhora como se a conversa não tivesse morrido.
- Ele vai fazer vestibular para engenharia.
- Não. Ele já se formou em administração e acabou de passar num concurso. – disse cheia de orgulho.
- Nossa, parabéns pra ele.
- Pois é. O mais novo também fez um concurso a pouco tempo. To torcendo muito para ele passar. – respirou cheia de orgulho.
- Que bom. Espero que dê tudo certo.
- Também espero. Sabe que já era para eu me aposentar desdo ano passado né?! To tão cansada, esse trabalho é muito estressante. Sem contar a minha saúde. Eu tenho um problema sério de audição sabe, praticamente não escuto do lado direito.
- Nossa! – disse o rapaz arregalando os olhos demonstrando espanto.
- E meu outro ouvido funciona só 50%. – disse a senhora ignorando a exclamação do rapaz – Fui ao médico há umas semanas atrás e ele disse que vou ter que fazer uma cirurgia e ainda assim vou ter que usar um aparelho.
- Mesmo com a cirurgia vai ter que usar o aparelho?! – disse demonstrando interesse.
- E esse aparelho é muito caro. – continuou sem nem ligar para o comentário do seu confidente. – mas o doutor falou que tem um jeito de conseguir de graça, é alguma coisa relacionada com um plano do Banco do Brasil.
- Que bom. Espero que consiga. – disse ele já duvidando que a senhora estava escutando qualquer um dos seus comentários.
- Acho difícil conseguir. – respondeu, mas ele ficou sem saber se estava respondendo por causa do seu comentário ou estava apenas completando o raciocínio anterior. – O doutor falou que consigo, mas acho que não.
- Hum. – resolveu não fazer nenhum comentário até ela terminar a história toda.
- Você não sabe como é a dor. As vezes dói tanto, mais tanto que fico com dor de cabaça o dia todo. Ainda mais trabalhando numa creche onde tem criança chorando e gritando para todo lado.
- Verdade.
- E nem sei se vou conseguir fazer essa cirurgia. A diretora do colégio já ficou reclamando por eu ter tirado dois dias de licença por causa da dor de ouvido.
- Mas é um direito seu. Principalmente se você tem como respaldo o atestado médico.
- É que ela fica falando que eu deveria ter visto isso nas minhas férias. O pior é que passei as férias todas fazendo exame. Parece que nem descansei. – disse com amargura da voz por ter perdido as férias em hospitais – Só fico imaginando quando eu for informar que vou ter que fazer a cirurgia e que por isso vou ter q ficar duas semanas de repouso.
- Hum. Complicado. Mas você e nem ela podem fazer nada. É questão de saúde.
- Foi o que o doutor falou. Disse a ele que ia esperar até as próximas férias para fazer a cirurgia, ele foi logo falando que a cirurgia não poderia esperar, que eu poderia perder a audição por completo até lá.- disse ela sem respirar. – ai eu disse: “e o meu trabalho?”, ai ele falou: “exatamente por isso que a cirurgia tem que ser feita logo, como você pretende trabalhar quando perder completamente a audição?” – falou fazendo uma imitação tosca da voz do médico - E vai ser isso que eu vou falar pra ela.
- Ele está certo.
- O doutor é muito legal sabe. Ele esta me apoiando em tudo.
- Hum. Que bom. – Disse o engenheiro já se levantando do banco da parada de ônibus, pois enfim via o seu ônibus chegando mais a frente.
- É. É um homem muito bom. – falou a senhora olhando para o nada com expressão de reflexão, mas esse momento durou apenas alguns segundos, logo depois ela se desembestou a falar novamente – Então, se meus dois filhos forem concursados eu vou me aposentar sabe.
- Sério mesmo?! – exclamou o jovem engenheiro com desespero em ver que seu ônibus parou no semáforo mais a frente.
- Sério. Eu não queria não, mesmo estando cansada assim, mas meus filhos já falaram que querem que eu pare de trabalhar. Que eu deveria ficar em casa para descansar e cuidar da saúde.
- Vá descansar, faz bem pra saúde. – disse olhando o tempo todo para a rua em direção ao ônibus da empresa. Nunca aquele semáforo demorou tanto.
- Eita! Seu ônibus ali né?!
- Pois é. – disse ainda olhando o ônibus parado. – Espero que dê tudo certo. A cirurgia, o concurso do seu filho, a aposentadoria.
- A sim, espero que meu filho mais novo passe no concurso.
- Uhum. – finalmente o ônibus começou a andar.
- E o meu mais velho queria tanto fazer engenharia.
- É – “Graças a Deus ele esta chegando. Como essa mulher fala” pensou.
- Será que ainda dá tempo dele fazer?
- Quem sabe? – disse o jovem pensando: “eu tenho um imã para essas pessoas que gostam de falar sobre toda a sua vida pessoal com estranhos”.
- Acho que ele gostaria. Vou dar a idéia para ele.
- Uhum. – “tudo o que eu queria de manhã era pegar o ônibus em silencio, escutando uma musica e dormir na viagem até o meu trabalho. Só isso”
- Mas ele deve estar cansado, ele estudou muito para passar no concurso.
- É. – “meu Deus por que esse ônibus esta demorando tanto? São nem 200 metros”
- Gostei de você. Vou falar para o meu filho que conheci um engenheiro muito legal.
- Rsrsrsr - riu o garoto aliviado por ter o ônibus parado na sua frente. – Bom vou nessa. Prazer.
- Prazer foi meu. Bom trabalho.
- Valeu. Tchau. – despediu-se já subindo no ônibus.
- Tchau. Até amanhã. Depois te conto o que o meu filho disse.
- Ta. – disse já pedindo para o motorista acelerar.
- Tchau.
“Contar o que o filho disse? Sobre o que? Eu perguntei alguma coisa?” pensou o rapaz ao se sentar.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Resenha - Filhos do Éden: Herdeiros de Atlântida (livro 1)



Eduardo Spohr
Filhos do Éden: Herdeiros de Atlântida (livro 1)
Editora: Verus
Rio de Janeiro, 2011 - 473 páginas
Idioma original: Português

Atualmente, com o aumento de procura dos jovens por livro, a produção de livros aventura/fantasia tem crescido bastante, dando a oportunidade de novos escritores aparecerem e mostrarem a sua obra. Apesar de não ser comum na literatura brasileira esse tipo de leitura, estão surgindo uma nova geração de escritores que estão conseguindo obter sucesso nessa área e um deles é Eduardo Spohr.
Fugindo um pouco da febre das histórias de vampiros e lobisomens que esta assolando o universo literário na atualidade, Spohr resolve escrever sobre o universo dos anjos. Filhos do Éden é uma saga que conta a história que precede o seu primeiro livro “A Batalha do Apocalipse”. Neste primeiro livro da saga a história gira em torno da misteriosa Atlântida, pois esta é uma peça importante para o desenrolar da batalha entre os anjos.
A história começa com Levih e Urakin procurando por dois anjos desaparecidos, eles tem a missão de encontrá-los, se preciso resgatá-los e ajudá-los a terminar a missão que lhes foi cabida. Entre perseguições e fugas, Denyel, um anjo exilado acaba entrando ao grupo e mesmo relutante no inicio, torna-se uma peça importante para o desenrolar da missão desses anjos.
O universo que Spohr criou é muito bem definido e explicado. Durante a história ele vai nos integrando ao mundo dos anjos, explicando como funciona os sete céus, em quantas castas os anjos se dividem e quais as suas características, a diferença entre anjos, demônios e fantasmas e principalmente a razão da guerra entre os anjos.
O que mais me prende nesse livro é a explicação da origem da vida, de quem é Deus, ou no caso Yahweh, a explicação das catástrofes bíblicas, a inveja que os anjos tem dos humanos, a história de como alguns anjos acabaram simpatizando com os humanos e se rebelaram contra o príncipe dos anjos e seu exercito, Spohr conseguiu até explicar de uma maneira plausível como pode coexistir os deuses das religiões politeístas e o Deus cristão que criou o universo, ou seja, o que mais prende o leitor ao livro não é a trama que esta se desenrolando com os personagens principais e sim o universo em que a história foi criada.
Entretanto algumas passagens me incomodaram um pouco. No começo do livro parecia que Spohr iria cometer o mesmo erro do seu primeiro livro. Em “A Batalha do Apocalipse”, Spohr faz descrições e explicações desnecessárias, como explicar a sentimento que o personagem esta expressando no momento, quando fica claro pela personalidade que ele vem demonstrando até então e a forma como ele falou, tornando assim a descrição redundante. Esse “erro” é típico de quem esta começando a escrever e com medo de o leitor não entender o que quis dizer, acaba reescrevendo uma coisa que dava para interpretar. No primeiro livro de “Filhos do Éden” parecia que Spohr iria cometer o mesmo erro, mas da 60ª pagina em diante, essa redundância já não se apresenta no enredo o que fez com que me envolvesse ainda mais com o livro.
Meu maior medo em ler a continuação deste livro é ver como o autor vai lidar com a personagem Kaira, pois no livro em questão, apesar de ser um anjo, ela ficou bastante humanizada, mas era justificável esse seu comportamento, entretanto para o próximo não se justificaria mais suas reações emotivas e intempestivas, seu comportamento tem que ser mais compatíveis com as dos anjos e mais especificamente as características de sua casta.
Para quem gosta desse estilo de leitura eu recomendo o livro. Ele é bem escrito, as batalhas bem descritas, a história e os personagens bem desenvolvidos. Sem contar que como amante de boas histórias de aventura/fantasia, é sempre bom ver um escritor brasileiro se dando bem ao produzir esse tipo de obra. Eduardo Spohr entra junto com André Vianco no Hal dos poucos brasileiros que tiveram sucesso com esse tipo de literatura e com certeza estarei lendo sempre que possível outras obras dele.